Miguel Portela * – Uma sociedade para montagem de uma fábrica de fiação no concelho de Figueiró dos Vinhos em 1893

*Investigador

Após o encerramento das Reais Ferrarias da Foz de Alge os habitantes do norte do distrito de Leiria, muito em particulare os de Castanheira de Pera e de Figueiró dos Vinhos iniciaram o incremento da indústria dos lanifícios, que alcançou uma relevante dinâmica na economia local, regional e nacional nos séculos XIX e XX.

Constata-se um crescente aumento na fundação de fábricas de lanifícios, sobretudo na segunda metade do século XIX em Castanheira de Pera que veio a ser um dos mais importantes centros da indústria têxtil do nosso país (PORTELA, Miguel – A indústria dos lanifícios na freguesia da Castanheira vista pelo jornal O Figueiroense em 1902, O Ribeira de Pera, Diretor: Fernando C. Bernardo, II Série, N.º 22, 16 de maio de 2016d, pp. 16-17; NUNES, Virgílio Fernandes Lopes – Lanifícios da Zona de Avelar – Parte 1, Cadernos de Estudos Leirienses-9, Editor: Carlos Fernandes, Textiverso, 2016, pp. 95-111).

De igual modo Figueiró dos Vinhos incrementou algumas fábricas de lanifícios, sobretudo no Cercal, em Chimpeles, no S. Simão e na própria vila de Figueiró (MEDEIROS, Carlos – A importância das Fábricas de Lanifícios no desenvolvimento socioeconómico do concelho de Figueiró dos Vinhos, Edição do autor: Figueiró dos Vinhos, 2017).

Tomando o ano de 1852 como exemplo, e no que respeita à quantidade de lã produzida no distrito de Leiria, constatamos que essa produção se encontrava distribuída da seguinte maneira: Porto de Mós – 664 arrobas; Pombal – 344 arrobas; Alcobaça – 264 arrobas; Leiria – 203 arrobas; Pedrógão Grande – 202 arrobas; Alvaiázere – 150 arrobas; Ansião – 99 arrobas; Óbidos – 95 arrobas; Figueiró dos Vinhos – 89 arrobas; Chão de Couce – 68 arrobas; Caldas da Rainha – 51 arrobas; Maçãs de Dona Maria – 44 arrobas; Louriçal – 43 arrobas; Batalha – 23 arrobas; S. Martinho do Porto – 20 arrobas e Pederneira 18 arrobas (MACEDO, D. António da Costa de Sousa Macedo – Estatística do Distrito Administrativo de Leiria, Tipografia Leiriense, Leiria, 1855, p. 45). Anos mais tarde, e em 1874, a produção de lã branca produzida no concelho de Figueiró dos Vinhos “pesou 2:100 kilos e a lã preta 3:800, sendo o preço da branca de 3$300 réis cada 15 kilos e o da preta 3$000” (Arquivo Distrital de Leiria, Correspondencia de Leiria, Dep. VIII-56-B, ano 1.º, n.º 18, de 28 de fevereiro de 1875, p. 2).

A Chrographia Moderna do Reino de Portugal de 1876, refere os dados contidos na obra, Geographia Commercial e Industrial de João Félix, transmite-nos que no concelho de Figueiró dos Vinhos, existiam “177 caldeiras ou alambiques de distillação, uma fabrica de chapeos ordinários, dois fornos de cal, 9 fornos publicos de cozer pão, 5 de telha e tijolo, 35 lagares de azeite, 54 de vinho, 151 moinhos, 10 teares de lã, 49 de linho”. Relembramos que nesse ano o concelho de Figueiró dos Vinhos era formado por 8 freguesias com uma população de que ascendia a 14 030 habitantes e onde se encontravam inscritos, na matriz predial, 39 261 prédios (BATISTA, João Maria; OLIVEIRA, João Justino Batista – Chrographia Moderna do Reino de Portugal, Typographia da Academia Real das Sciencias, Lisboa, 1876, Vol. IV, p. 69).

 

A firmaSilveira & Companhia

Na última década do século XIX, precisamente em 30 de abril de 1893, foi lavrada uma escritura pública entre “Manoel Mendes Abreu e sua mulher Carolina Augusta da Conceição Silveira residentes nesta villa Manoel Simões Herdade e sua mulher Jozefa Augusta da Conceição, residentes na Aldeia d’Anna de Aviz d’esta freguesia de Figueiró dos Vinhos, Joze Lopes Ascenção e sua mulher Maria Augusta da Conceição Silveira e Joze Joaquim da Silveira, solteiro, estes residentes na Aguda digo residentes em Chimpelles, freguesia d’Aguda, concelho de Figueiró dos Vinhos”, para “formarem entre si uma sociedade para a montagem de uma fabrica de fiação de lã” (Apêndice documental – documento 1).

 

Figura 1 – Antigas instalações da fábrica de fiação “Silveira & Companhia”.

Esta sociedade por quotas destinava-se a instalar uma fábrica no antigo sítio do Engenho da Machuca, nos limites de Chimpeles, adotando o nome de “Silveira & Companhia”, sendo referido claramente que “elles outhorgantes houveram por herança de seus paes um predio de casas para instalação de uma fabrica, um moinho e uma casa para armazém, no sitio do Engenho da Machuca limite de Chimpelles freguesia d’Agu // [fl. 6] Aguda, concelho de Figueiro dos Vinhos entrando para a sociedade com as partes que cada um alli poram, para alli ser installada e montada a dita fabrica” (Apêndice documental – documento 1).

Através desta escritura sabemos que a sociedade por quotas se constitui da seguinte maneira: “Manoel Mendes Abreu entra para a sociedade com a parte que tem nos ditos prédios no valor de duzentos mil reis e mais um conto de reis em dinheiro o que perfez a quantia de um conto e duzentos mil reis. O segundo socio Manoel Simões Herdade entra para a sociedade com a parte que tem na dita casa no valor de duzentos mil reis e mais a quantia de um conto e quinhentos mil reis em dinheiro o que perfez a quantia de um conto e setecentos mil reis. O terceiro socio Joze Lopes d’Assenção entra com a parte que tem nas ditas casas no valor de duzentos mil reis e mais um conto e quinhentos mil reis em dinheiro o que perfas a quantia de um conto e setecentos mil reis. O quarto socio Joze Joaquim Silveira entra para a sociedade com a parte que tem nas ditas casas no valor de duzentos mil reis e mais um conto e quinhentos mil reis em dinheiro, o que prefas a quantia de um conto e setecentos mil reis ficando assim o fundo de sociedade de quantia de seis contos e trezentos mil reis”.

Para a montagem e o funcionamento da referida fábrica de fiação era necessário proceder à reconversão do edifício e aquisição de maquinaria, afirmando que “a importância das entradas em dinheiro é para a condução do dito edificio, e compra de machinarias proprias para a fiação de lã, cuja compra será effectuada depois de enviados e consultados todos os sócios, se porem esta quantia não for sufficiente para a compra da dita machinaria e montage da fabrica, cada socio entrava com a quantia precisa proporcionalmente para a condusão da compra e montage dita”. De idêntico modo, ficou salvaguardado na escritura que “7.º Que também fica pertencendo á sociedade os açudes e levadas que se acham montados para conduzir a água para o motor da mesma fabrica. 8.º Que da agua das levadas nenhum socio poderá desviar alguma para rega de seus prédios sem autorização entre todos”.

Esta escritura é um relevante documento histórico para a indústria dos lanifícios de Figueiró dos Vinhos, pois revela a constituição de uma sociedade entre pessoas da mesma família assegurando assim, o controlo familiar sobre a produção, o que se assemelha a muitos casos idênticos que se sucederam em Castanheira de Pera e em Figueiró dos Vinhos.

 

Em síntese

Na transição do século XIX para ao século XX, o concelho de Figueiró dos Vinhos despontou com uma dinâmica industrial marcadamente enraizada na tradição do fabrico artesanal de artigos de lã. Todavia, juntamente com Castanheira de Pera e Pedrógão Grande, evidenciou-se pela sua capacidade de adaptação aos tempos modernos, rejuvenescendo com a inteligência de adotar a via do progresso técnico, e com a competência dos seus mais industriosos habitantes, na sua grande maioria, gestores de estabelecimento venda de lanifícios de sucesso.

 

APÊNDICE DOCUMENTAL

Documento 1

1893, abril, 30, Figueiró dos Vinhos – Escritura de contrato de uma sociedade para montagem de uma fábrica de fiação no concelho de Figueiró dos Vinhos.

Arquivo Distrital de Leiria, Livro Notarial de Figueiró dos Vinhos, Dep. IV-55-A-53, fls. 5v-7v.

[fl. 5v]

N.º 4

Escriptura de sociedade para montagem de uma fábrica de fiação que fazem Manoel Mendes Abreu e mulher – Manoel Simões Herdade e mulher – Joze Lopes Ascenção e mulher e Joze Joaquim Silveira – os dois primeiros desta freguesia de Figueiró dos Vinhos e os outros da freguezia d’Aguda.

Em 30 d’abril de 1893.

Saibam os que este publico instrumento d’escriptura de sociedade virem que sendo no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos noventa e três aos trinta dias do mez de abril n’esta villa de Figueiró dos Vinhos e casas de residência de Manoel Coelho, casado d’esta mesma villa onde eu taballião estava, aqui me foram presentes nas suas próprias pessoas Manoel Mendes Abreu e sua mulher Carolina Augusta da Conceição Silveira residentes nesta villa Manoel Simões Herdade e sua mulher Jozefa Augusta da Conceição, residentes na Aldeia d’Anna de Aviz d’esta freguesia de Figueiró dos Vinhos, Joze Lopes Ascenção e sua mulher Maria Augusta da Conceição Silveira e Joze Joaquim da Silveira, solteiro, estes residentes na Aguda digo residentes em Chimpelles, freguesia d’Aguda, concelho de Figueiró dos Vinhos, todos os outhorgantes são maiores, proprietarios e commerciantes, meus conhecidos pelos próprios bem como o são das testemunhas edoneas ao diante nomeadas e no fim assignadas nestas o são de mim tabellião de que dou fé. E na presença de todos por elles outhorgantes maridos foi dito, in solidum por estarem concordes em formarem entre si uma sociedade para a montagem de uma fabrica de fiação de lã com as seguintes condições = Que elles outhorgantes houveram por herança de seus paes um predio de casas para instalação de uma fabrica, um moinho e uma casa para armazém, no sitio do Engenho da Machuca limite de Chimpelles freguesia d’Agu // [fl. 6] Aguda, concelho de Figueiro dos Vinhos entrando para a sociedade com as partes que cada um alli poram, para alli ser installada e montada a dita fabrica: e asim o sossio [sic] Manoel Mendes Abreu entra para a sociedade com a parte que tem nos ditos prédios no valor de duzentos mil reis e mais um conto de reis em dinheiro o que perfez a quantia de um conto e duzentos mil reis. O segundo socio Manoel Simões Herdade entra para a sociedade com a parte que tem na dita casa no valor de duzentos mil reis e mais a quantia de um conto e quinhentos mil reis em dinheiro o que perfez a quantia de um conto e setecentos mil reis. O terceiro socio Joze Lopes d’Assenção entra com a parte que tem nas ditas casas no valor de duzentos mil reis e mais um conto e quinhentos mil reis em dinheiro o que perfas a quantia de um conto e setecentos mil reis. O quarto socio Joze Joaquim Silveira entra para a sociedade com a parte que tem nas ditas casas no valor de duzentos mil reis e mais um conto e quinhentos mil reis em dinheiro, o que prefas a quantia de um conto e setecentos mil reis ficando assim o fundo de sociedade de quantia de seis contos e trezentos mil reis. 2.º Que a importância das entradas em dinheiro é para a condução do dito edificio, e compra de machinarias proprias para a fiação de lã, cuja compra será effectuada depois de enviados e consultados todos os sócios, se porem esta quantia não for sufficiente para a compra da dita machinaria e montage da fabrica, cada socio entrava com a quantia precisa proporcionalmente para a condusão da compra e montage dita. 3.º Que o socio Manoel Mendes Abreu fica o direito de entrar com a quantia de quinhentos mil reis para perfazer a entrada igual aos demais sócios – dessa data em diante terá os lucros proporcionaes á entrada. 4.º Que quando algum dos sócios deixar de entrar com qualquer quantia que lhe seja // [fl. 6v] exigida que se achará acente entrar para quaisquer obras perde esta o direito á sociedade, allem disto na liquidação e que se proceder para se liquidar a sua parte ser-lhe-á abatida a quantia de duzentos mil reis que investem a fazer dos outros sócios como indeminização de qualquer prejuízo que lhes tenha causado. 6.º [sic] Que no caso de algum dos sócios querer vender a parte que tem nesta sociedade, a venda será aos sócios e só será feita a estranhos quando algum dos sócios a não queira; e no caso da venda será o preço regulado por accordo de vendedores e mais sócios, e no caso de discordância será feito por avaliação amigável […]. 7.º Que também fica pertencendo á sociedade os açudes e levadas que se acham montados para conduzir a água para o motor da mesma fabrica. 8.º Que da agua das levadas nenhum socio poderá desviar alguma para rega de seus prédios sem autorização entre todos. 9.º Que a firma social será – Silveira & Companhia. 10.º Que ficará, digo que ficará sendo socio gerente o socio Joze Joaquim da Silveira, que somente podera ser em […] da firma assima dita, e na falta ou impossibilidade desta será nomeado gerente um dos outros socios em quem recair a escolha. 11.º Que o cargo do socio gerente fica na escripturação da mesma sociedade fazendo as transações precisas para o regular andamento dos negócios da mesma sociedade podendo o socio gerente ser substituído e quando os demais sócios entendam ser a gerência não é feito convenientemente. 12.º Que a firma só poderá ser usada nas transações da sociedade e nunca em negócios estranhos a elle, nem a letras de fazer, fianças, ou outros documentos da responsabilidade, ficando aquelles dois sócios sem continuar o exposto, não só sujeito a responder em seu nome individual pelas obrigações, assim contrahidas, mas também a indeminizarem a so // [fl. 7] sociedade dar perjuisos sem por taes transações resultarem á mesma. 13.º Que qualquer duvida que houver será dicidida por árbitros nomeados pelos sócios. 14.º Que no caso de fallecer algum dos sócios durante o tempo da sociedade será pelos sócios sobreviventes liquidado o que lhes pertencer e entregue aos herdeiros delles. 15.º Que no caso da dissolução da sociedade, será dividido pelos sócios proporcionalmente todos os haveres da sociedade e havendo divergências será a divisão feita por tres árbitros por elles nomeados, sendo o de desempate nomeado á sorte se porventura não concederem nella noutra forma. 16.º Que a falência será destinada á fração e tendas de lã. 17.º Que o novo gerente vencerá a quantia de tresentos reis diários desde que se comesse a montage de machinismo na fabrica. 18.º Que se qualquer dos sócios pensar entrar com o seu trabalho para a fabrica, será admitido na mesma sendo o seu trabalho remunerado conforme os demais sócios entenderem. Finalmente disseram que nestes terrenos estavam constituindo a referida sociedade e que todos se obrigam ao cumprimento das condições d’ella pela firme e maneira indicada sem que de futuro as pessoas […] como assim também se confirmam outhorgantes mulheres. Assim o disseram outhorgaram e mutuamente acentaram na presença das testemunhas Marcelino Lopes da Silva, casado, proprietário de Pedrogam Grande e Manoel Rodrigues Perdigão, casado, proprietário, desta villa de Figueiro que vão assignar com os outhorgantes maridos e outhorgantes Jozefa Augusta da Silveira, digo Augusta da Conceição da Silveira, e a rogo de Carolina Augusta da Conceição Silveira, assigna Jozé Maria Bernardo, casado, proprietário, a rogo de Maria Augusta da Conceição Silveira, assigna José Luis Antunes, casado, proprietários, ambos d’esta villa, cujo rogo foi feito por // [fl. 7v] pelos próprios na minha presença de que dou fé vão colados sellos no valor de [em branco] devidamente inutilizados. Lida em voz alta perante todos por mim António d’Andrada Albuquerque tabellião = que o nome assignão.

  • Manoel Ascenção de Abreu
  • Manoel Simõies Herdade
  • Josefa Augusta da Conceição Silveira
  • José Lopes d’Ascenção
  • José Joaquim da Silveira
  • A rogo Joze Maria Heduardo
  • A rogo Joze Luís Antunes
  • Marcellino Lopes da Silva
  • Manoel Rodrigues Perdigão

Em fé de verdade (sinal publico)

(Selos no valor de 1900 réis inutilizados)

  • O tabellião António d’Andrada Albuquerque

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