A rota do Património Religioso do concelho de Pedrógão Grande, não é mais que uma inventariação e georreferenciação dos exemplares simbólicos do Edificado Histórico Religioso loca. É um caminho com mais de 800 anos de história que percorre todo o concelho, indo dos seus limites ao seu interior, desde o Norte ao Sul do Este a Oeste, e o convida a descobrir e apreciar Igrejas, Capelas e Ermidas, em que a sua construção, vai desde o século XII ao século XX. Neste edificado sagrado, desvendam-se marcas de fé e memórias, dando corpo à identidade e às tradições festivas e orais que caracterizaram Pedrogão Grande e as suas gentes.
O Património Religioso constitui um dos aspetos mais importantes do nosso legado histórico e cultural aos mais diversos níveis. Não será por isso alheio o facto de entre os monumentos Nacionais considerados Património Mundial pela UNESCO, figurar diverso Património Religioso, quer a titulo individual, quer integrado em Centros Históricos de aldeias, vilas e cidades.
Trata-se efetivamente de um aspeto basilar do nosso património, dado que a preocupação religiosa e os respetivos estabelecimentos se encontram presentes desde as nossas origens, tendo estado sempre associados a períodos fulcrais da nossa história política, cultural ou artística. Dentro do património cultural, ele é o mais universal, o mais diversificado, o mais rico, o mais visível e o mais o presente em todo o território. Constituindo-se inegavelmente como a expressão maior da cultura portuguesa e elemento de identidade, como reflexo de valores religiosos, sociais, éticos, artísticos ou filosóficos.
Ocupando um lugar de destaque dentro dos estudos patrimoniais, tornando-se num objeto de interesse crescente, pelas diversas questões que tem levantado, não só pelos perigos que este importante legado tem vindo a ser alvo, sejam de ordem humana, sejam de ordem natural. Muito deste património tem as portas fechadas por falta de fieis, de celebrantes, pela desertificação das regiões do interior, ou pela carência de fundos, decorrente do aumento crescente dos seus custo de manutenção.
Esta problemática tem vindo a ser discutida desde o início do século XXI em diversos congressos internacionais, com resultados bastante positivos. Em novembro de 2004, teve lugar o colóquio “Le pratimoine religieux du Québec” que contou com a participação de 450 pessoas, entre técnicos, investigadores ou simples apaixonados pelo assunto, refletido sobre o papel fundamental deste património ameaçado. Uma das principais questões em debate, foi o da “Patrimonialização”, isto é, a conversão destes bens da Igreja, entretanto desafetados, de vocação cultural, em bens culturais destinados à sociedade civil, como meio de salvaguarda desta herança.
Ora, esta relação entre o cultual e o cultural, é encarado como um “rito de passagem”, um espaço de contacto, um campo relacional que suscita discussões, estratégias de apropriação e até posturas de resistência. Pelas trocas e associações que gera, estes espaços tornam-se num lugar de cultura, e de criação, onde se estabelecem assim novas práticas culturais e novas identidades. O que arrasta consigo necessariamente uma problemática multidisciplinar, que deveria envolver clérigos, arquitetos, urbanista, sociólogos, antropólogos e historiadores, dadas as implicações culturais, históricas, antropológicas e sociológicas suscitadas pela prática de um culto.
Porém, o Património Religioso integra mais do que os locais de culto. Ele não diz somente respeito à preservação desse lugares, aspeto que se tem dado maior importância, mas numa reflexão a longo prazo e integrante de múltiplas dimensões, não poderemos esquecer as imagens de “Arte Sacra” que esses mesmos locais albergam. O Património Religioso é um conceito de composição múltipla, memorial, cultural e identitária, fundamental para qualquer sociedade. Contudo, ele também é por si próprio um conceito “em aberto”, inter-racional, sujeito a debate, que passa necessariamente pela reflexão, pelo estudo, avaliação, reconhecimento, conservação e consciencialização do seu valor.
Esperemos que este trabalho dedicado às Igrejas, Capelas e Ermidas do concelho de Pedrógão Grande, possa trazer ao conhecimento, a história desses edifícios religiosos, dos “Oragos” da sua devoção, bem como de todas a imagens de “Arte Sacra” que neles se albergam, e ao mesmo tempo possa efetivamente lançar um debate aprofundado sobre as questões que desponta, bem como fomentar o nascimento da consciencialização da importância que este “Património Cultural” pode vir a representar para o concelho enquanto fonte de riqueza turística.
Numa rápida caracterização de alguns dos lugares onde o património edificado se encontra, o mesmo, apresenta para além das características físicas particulares que tornaram alguns lugares em cenários propícios ao desenvolvimento de práticas sócio-religiosas ou, até, em paisagens rituais, a larga diacronia com que a maioria deles foi frequentada é quase uma constante. Alguns, parecem mesmo, emergir da longínqua noite dos tempos, com ascendentes nas primeiras comunidades de “H. Sapiens Sapiens” que, de modo decisivo, manipularam símbolos, criaram rituais e conceptualizaram o transcendente. Todavia, ao longo dos séculos, muitos outros sítios foram sacralizados, nasceram, funcionaram durante mais ou menos anos e desapareceram, o mesmo tendo acontecido aos seus xamãs, sacerdotes e acólitos ou às multidões de crentes, pelo que os seus testemunhos quase não chegaram até nós, tendo sido como que apagados pela história.
A paisagem onde se integra a Ermida de Nossa Senhora dos Milagres na zona do Castelo Velho, é magnífica pelo isolamento e largueza do horizonte, dominado pela presença do Rio Zêzere, é constantemente assediada por neblinas matinais que a isolam do Mundo e lhe conferem o misticismo próprio dos lugares sagrados, capazes de nos despertarem emoções e que, como qualquer experiência religiosa, é sentida de modo diferente por cada um de nós.
O Mosteiro ou (Ermitério) de Nossa Senhora da Luz, longe do centro urbano da vila de Pedrógão Grande, correspondia à necessidade de solidão e isolamento, tendo em vista a reflexão metafísica, bem como à procura de abandono do mundo material. Localizado na escarpa da margem do rio Zêzere, na confluência da ribeira de Pera, capaz de exacerbar os sentidos e conduzir à exaltação mística. Ali se uniam à Terra, à água e ao Ar, elementos primordiais com os quais se podia identificar a unicidade divina, procurando realizar a vontade de Deus e o encontro ou a união com aquele.
Convento de Nossa Senhora da Luz e os seus primórdios: O eremitismo permaneceu como uma forma de vida alternativa, resistente ao enquadramento numa comunidade religiosa sujeita a uma Regra ou à direção de um superior. Os testemunhos documentais são, por vezes, fugidios e parcos de informações, e mesmo os vestígios materiais relativos a este tipo de experiências debatem-se com o carácter precário destes grupos, que acabam, muitas vezes, por ser absorvidos por novos movimentos religiosos ou que se extinguem após a morte do respetivo fundador.
A vida eremítica sempre surgiu, aos olhos do homem medieval, como o modelo por excelência de uma vida radicalmente entregue à busca e ao encontro com Deus, através do afastamento do bulício do mundo e através de uma vida austera, de luta interior contra o mal, que se prolonga necessariamente no confronto exterior com um meio adverso e hostil. Alguns testemunhos arqueológicos da existência de comunidades eremíticas no atual território português, numa época de crescimento demográfico e de expansão territorial dos reinos cristãos para sul, o proliferar deste tipo de experiências, muitas das quais de curta existência e outras paulatinamente absorvidas pelas novas ordens religiosas entretanto surgidas.
Contudo, alguns aspetos respeitantes à relação entre os eremitas e o espaço que se manterão, em grande parte, válidos para o período posterior. Com efeito, a sua busca de solidão, se os leva a procurar espaços menos povoados e afastados dos principais núcleos habitados, exige também que deles não se distanciem em excesso. A necessidade de visibilidade do seu modo de vida, como testemunho de radicalidade na vivência do Evangelho e na renúncia aos bens materiais e ao poder social ou político, a sua dependência face à prodigalidade dos diferentes corpos sociais e a sua atividade em prol dos mais necessitados, por meio da hospitalidade concedida aos mais pobres, aos viandantes e peregrinos, leva-os a instalarem-se perto das principais vias de comunicação. Uma solidão que se torna, assim, relativa ou, pelo menos, não absoluta.
O mesmo veremos acontecer mais tarde, já nos séculos finais da Idade Média, quando um novo surto eremítico, documentado a partir de 1360, leva a uma rápida expansão de comunidades de anacoretas por todo o Nordeste alentejano e pela península de Setúbal, estendendo-se mesmo à Estremadura e ao Algarve. As conturbações políticas que atravessam os reinos peninsulares e a grave crise que afeta toda a Cristandade, com o Papado dividido, durante várias décadas, entre Roma e Avinhão, geram um profundo desejo de reforma também ao nível religioso.
Ditos a si próprios como «homens da pobre vida», estes eremitas escolherão lugares afastados dos núcleos populacionais, nos vastos termos rurais que envolviam as vilas e as cidades, dedicando-se a uma vida que aliava a oração, à qual os seus benfeitores se confiam, ao trabalho manual nas terras que, pelas suas próprias mãos, retiravam ao inculto. Doadas por particulares ou pelos concelhos, estas terras levam os ermitérios a adquirir uma configuração particular. Habitados por pequenos grupos de anacoretas – os solitários depressa atraem discípulos…– os ermitérios apresentam-se, em regra, delimitados por uma cerca, que preservava a solidão dos seus habitantes, junto à qual se encontram com frequência algumas terras de vinha, mais exigentes dos cuidados do homem, ou mesmo de pão, sempre ponteadas por árvores de fruto.
O inculto facultava também aos eremitas alguns recursos importantes, desde o mel à madeira e ao mato, necessário ao pascigo do gado. Mas, na sua localização, o ermitério tinha sempre em conta um fator fundamental: a proximidade de um curso de água, indispensável para os seus habitantes, para as suas culturas e para o gado.
Mas, tal como para os eremitas do século XII, também estes homens da pobre vida necessitam da proximidade das vilas e cidades, onde se deslocam para adquirir alguns bens de que precisam ou para colocar à venda, através de intermediários, os bens resultantes do seu trabalho manual, sejam os frutos da terra, algum gado ou mesmo alguma produção artesanal. Surgidas a partir de uma iniciativa individual ou de pequenos grupos de eremitas, estas comunidades da pobre vida obterão desde cedo a proteção régia, bem como da dos concelhos, sobretudo a partir do reinado de João I (1385-1433).
Aproximadamente no ano de 1460, a necessidade de assegurar o seu modo de vida, leva-as a congregarem-se numa irmandade. Esta transformação marcará uma progressiva alteração no seu modo de vida, com uma clericalização dos seus membros, uma maior importância dada aos estudos e à formação letrada e uma maior preocupação em aproximarem-se das cidades e vilas, onde constroem novos conventos. Isto levará a um maciço abandono, a partir dos finais do século XVI, dos antigos ermitérios medievais, deixando-os, até hoje, à espera de um efetivo levantamento dos vestígios que deles sobreviveram e que nos possam falar um pouco mais do quotidiano destes primeiros eremitas e do modo como deixaram vincado, no espaço, a sua procura de solidão.
Pedrógão Grande 20 de julho de 2020
Luís M. Cunha.