Kalidás Barreto – Crónicas da Serra da Lousã

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Angelino Coutinho

Faleceu o amigo de sempre Angelino Coutinho, e sentimos mais uma falta de quem amou a sua terra. Democrata que defendeu a democracia, como quando o salazarismo perseguiu Humberto Delgado.

O Angelino faria no dia 25 de Março de 2016, 97 anos de idade. O destino não o deixou alcançar a meta dos 100 anos, mas como ele próprio disse um dia: “Vivi muito. Vivi bem. Não chorem. Batam palmas.

Quando da comemoração dos 40 anos da candidatura de Humberto Delgado à presidência da República, a Câmara Municipal, na altura (1998) presidida por Pedro Barjona, deliberou, por proposta do presidente da Assembleia Municipal, homenagear os cidadãos que naquela altura formaram no concelho a Comissão de Apoio à candidatura de Humberto Delgado, concedendo a medalha do município a Abílio da Gama Henriques e Ilídio José Coelho (a título póstumo), e a e a Angelino Coutinho, Eng.º Virgílio Tomaz Henriques e Kalidás Barreto.

Vale a pena transcrever alguns passos do discurso proferido na ocasião pelo presidente da Câmara:

“As Comemorações do 25 de Abril assumem este ano um significado especial coincidindo com a celebração do quadragésimo aniversário da candidatura do General Humberto Delgado à Presidência da República Portuguesa.

E nesta dupla evocação histórica juntamos, lado a lado, portugueses que participaram nessa campanha

com portugueses que hoje tendo actividade política já nasceram em plena democracia.

E essencial transmitir educativamente a estas novas gerações, o que foi essa luta e como foram graves as privações e os riscos corridos por todos os que, durante décadas, se empenharam em transformar Portugalnuma sociedade respeitada, livre e democrática.

“Aqueles que esquecem o passado estão condenados a repeti-Io” afirmou Shakespeare pela boca de um dos seus personagens.

É imperativo garantir a memória recordando que o 25 de Abril acabou com um regime autocrático, monolítico e persecutório que levou ao total isolamento do país assumido na célebre divisa do “orgulhosamente sós” adoptada, não por convicção, mas por rejeição e condenação unânime de todo o mundo livre e civilizado.

A inegável evolução das sociedades ocidentais com sistemas políticos democráticos, Salazar contrapunha a ditadura justificando-a com a questão “em Portugal Democracia com quem?”

E para perpetuar a submissão, governou deliberadamente por forma a manter um povo inculto, subdesenvolvido e pobre a quem eram negados os direitos fundamentais do cidadão transformando-os em privilégio só para apoiantes e escolhidos do regime que igualmente usufruíam de escandalosos privilégios atribuídos como direitos.

Um regime que perseguiu, torturou, destruiu e assassinou quem se lhe opôs ou lhe manifestou pública discordância.

Um regime que sarceou o desenvolvimento e industrialização nacionais na tentativa de evitar por um lado grandes concentrações de operariado mais propícias à contestação e reivindicação, e por outro a criação

de poder económico que, fora do seu controlo, disputasse a primazia à classe política instalada.

Um regime que gerou dos mais fracos índices de educação e crescimento da Europa provocando taxas de desemprego e emigração alarmantes.

Um regime que prolongou uma situação de posse Ultramarina inaceitável, totalmente desenquadrada no tempo, sustentando-a com uma guerra absurda sem razão nem fim.

E é a esta situação de medo, miséria e guerra que Abril veio pôr termo.

O 25 de Abril foi a viragem feliz na história.

Resolveu o problema colonial.

Possibilitou que, naturalmente acompanhados, enfrentássemos com sucesso os nossos maiores desafios de desenvolvimento.

Recolocou-nos no mapa da civilidade, do respeito e do orgulho.

Devolveu-nos o direito de sermos livres, a capacidade de decidirmos e a garantia de acesso à justiça.

Mas apesar de ter sido uma revolução pacífica sem sangue, que liga um passado obscuro a um futuro promissor, não podemos esquecer que é apenas o passo de chegada de uma difícil e longa jornada que foi reclamando muitas vítimas.

Com eventos diversos em todo o país, evoca-se nacionalmente este ano a candidatura do General Humberto Delgado tendo-se constituído para o efeito uma Comissão de Honra presidida por sua Excelência o Presidente da República e que integra Castanheirenses que participaram activamente na campanha de 1958.

A Câmara e Assembleia Municipais de Castanheira de Pera deliberaram associar-se a estas manifestações com uma singela mas sentida homenagem.

E somos nós Castanheira de Pera, terra pequena mas grandiosa, quem homenageia.

Desde sempre, na história da humanidade, existiram homens que sacrificaram a sua comodidade, a sua segurança, a sua liberdade e até a própria vida na luta por ideais e valores que são património de todos.

E fizeram-no abnegadamente com a consciência que não atingiriam o fim almejado, mas que eram apenas mais um elo na corrente que um dia ligaria ideal e realização.

Retomando a António Vieira conta-nos este que o profeta Elias estava metido numa cova, no deserto, em sofrimento e penitência quando Deus o admoesta severamente. Surpreso e magoado Elias retorquiu –  “mas se eu estou orando e jejuando porquê a repreensão?” e Deus responde-lhe:

“Porque enquanto salvavas a tua alma muitas outras se perderam. Pecaste por omissão.”

Os que acompanharam Humberto Delgado não se omitiram e poderiam tê-lo feito já que a omissão facilmente se comete e dificilmente se conhece.

A omissão faz-se não se fazendo pelo que não sofre outra condenação que a da própria consciência…

Mas respondendo ao apelo dos grandes valores humanos, enfrentando polícias políticas e represálias, constituíram-se como comissão pública de apoio numa candidatura de homens sem medo cumprindo o poema:

“Mesmo na noite mais triste

Mesmo na mais negra servidão

Há sempre alguém que resiste

Há sempre alguém que diz não”

Reconhecendo-lhes uma contribuição forte e generosa para a conquista da Liberdade, da Paz e da Justiça

Social, num tempo em que um simples acto de cidadania se assumia como um enorme gesto de coragem, a Câmara e Assembleia Municipais deliberaram atribuir a medalha de mérito do concelho a:

– Abílio da Gama Henriques

– Angelino Henriques Coutinho

– Ilídio José Coelho

– Luís Maria Kalidás Costa Barreto

– Virgílio Tomaz Henriques

Satisfeitas as duas primeiras condições, quem e a quem, resta o porquê desta homenagem.

E embora já esteja subentendida a resposta há que deixá-la bem clara.

Para sua honra e nosso proveito reconhecemos publicamente as qualidades destes Castanheirenses porque eles são parte Nobre da nossa memória, da nossa história e da nossa identidade e devem ser exemplo de coragem para todos os que percorrem o caminho da causa pública, em que tantas vezes se é questionado, em que tão facilmente se é julgado e em que tão perigosamente se é condenado.

E termino, minhas senhoras e meus senhores, afirmando que a razão desta homenagem é a nossa admiração e respeito pelos homens que lutaram pela democracia contra a ditadura, pela justiça contra a tirania e pela solidariedade contra a opressão.”

Kalidás Barreto

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