Foi com a tristeza espelhada nos rostos que os figueiroenses compareceram junto ao edifício dos Paços do Concelho para assinalar o Dia do Concelho, dia de São João.
Este ano a alegria que o popular Santo espalhava pelas gentes de Figueiró, como pelas gentes por esse país fora, deu lugar aos rostos fechados, à emoção contida mas denunciada pela lágrima que teimosa, continuava a querer escorrer pelo canto do olho… minutos antes o funeral de mais três vítimas do grande incêndio não dava folga à tristeza…
E a emoção e orgulho que todos os anos os figueiroenses sentem ao ver bandeira do Município subir no mastro dos Paços do Concelho ao lado da Bandeira Nacional, este ano deu lugar à comoção.
As comemorações, este ano presididas por José Luís Carneiro, Secretário de Estado das Comunidades, resumiram-se ao Hastear da Bandeira seguido de uma Sessão Solene da Assembleia Municipal realizada na Casa da Cultura, já que, compreensivelmente, a autarquia cancelou todas as festividades previstas para esta ocasião.
O Hastear da Bandeira foi acompanhado pelo Hino Nacional, executado pela Filarmónica Figueiroense, com Guarda de Honra a cargo dos Bombeiros Voluntários, e a presença do Corpo de Escuteiros. Este ano no entanto, não houve o habitual momento musical com que a Filarmónica costuma brindar os presentes.
Seguiu-se a Sessão Solene da Assembleia Municipal, que decorreu na Casa da Cultura – Clube Figueiroense, precedida de um minuto de silêncio em memória das vítimas.
Com a mesa composta pelo presidente da Assembleia e respectivos secretários, presidente da Câmara e vereadores, e o Secretário de Estado da Comunidades, Carlos Silva deu início à Sessão Solene.
Presentes para além de algum público, os deputados à Assembleia da República José Miguel Medeiros e Odete João, os presidentes dos Municípios de Proença-a-Nova, João Lobo, Castanheira de Pera, Fernando Lopes e Alvaiázere, Célia Marques, Lídio Lopes em representação da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, Sérgio Monte e Luís Correia, da UGT, e Luís Azinheira e Joaquim Mendes Dias, da Associação e da Escola Profissional Agostinho Roseta, representantes de diversas entidades civis e militares e GNR.
Carlos Silva começou por ler as mensagens enviadas pelo Presidente da República e Presidente da Assembleia da República, alusivas ao Dia do Concelho e que reproduzimos:
“Senhor Presidente da Assembleia Municipal
Sei que se celebra, hoje, em Figueiró dos Vinhos, o Dia do Município.
Não podendo estar convosco neste ensejo, peço-lhe que transmita aos Autarcas municipais e de freguesia, englobando o Senhor Presidente da Câmara Municipal, os Senhores Deputados e Vereadores e os Senhores Presidentes das Juntas de Freguesia e das Assembleias de Freguesia e mais titulares dos respetivos órgãos, o meu abraço amigo e solidário.
Abraço amigo e solidário que envio, se possível, ainda mais forte, a todo o povo do Município, uma a uma, um a um dos figueirenses.
Este ano, a data, a Vossa data, é de luto, de dor, de choque, de saudade dos que partiram e de aflição por quantos ficaram sofrendo.
Mas é também de luta, de reconstrução, de refazer de vidas e de futuro comunitário.
O Presidente da República, que convosco esteve nos instantes mais agudos, acompanha, incondicionalmente, a Vossa dor, a Vossa solidariedade, a Vossa legítima exigência de apuramento de factos e responsabilidades, a Vossa urgência de reconstrução, com empenho particular por parte do Estado.
A tragédia vivida tem de ser um ponto para nova partida, para uma nova compreensão nacional do que é viver no País rural, longe dos holofotes, tantas vezes sem voz nem eco para necessidades básicas. Como tem de impor lições para o futuro quanto o que falhou no passado e no presente na prevenção e na proteção de pessoas e comunidades.
Passado o tempo do combate sem tréguas aos fogos, é preciso extrair essas lições e reconstruir depressa e com justiça social.
Para todas e todos Vós vai, neste momento de provação, o meu abraço comovido mas também determinado!
Marcelo Rebelo de Sousa”
“Senhor Presidente da Assembleia Municipal de Figueiró dos Vinhos,
Meu Caro Carlos Silva,
Desde Sintra, quero a todos saudar, neste dia do Município de Figueiró dos Vinhos, terra que o Mestre José Malhoa batizou, especialmente pelo seu ar puro e luz única, como «Sintra do Norte.
Sei bem, porque ainda esta semana estive no vizinho concelho de Castanheira de Pêra, que este dia do concelho não vai ser celebrado com toda a alegria.
Sei bem que o momento é difícil, sei bem que a tragédia que se abateu sobre a vossa região é tremenda e sei bem que para olharmos para o futuro com esperança é preciso ultrapassarmos, sem esquecimentos de qualquer espécie, as enormes dificuldades do presente.
Mas também sei que a população de Figueiró dos Vinhos conseguirá, tal como todos os portugueses, sempre solidários, lutar para que o futuro seja melhor.
Peço pois, Senhor Presidente, que por seu intermédio, a todos cumprimente, em meu nome e em nome da Assembleia da República.
Um abraço do Presidente da Assembleia da República,
Eduardo Ferro Rodrigues
Na sua intervenção, Carlos Silva rendeu homenagem a Figueiró dos Vinhos e à sua história, mas também às vítimas do incêndio, apontando a reconstrução como meta futura para o concelho e municípios vizinhos. Homenageou também todos os bombeiros, na pessoa do comandante Paulo Renato, a quem abraçou e deixou uma palavra de agradecimento a todos os voluntários e funcionários da autarquia. Terminou referindo que perante esta calamidade “cabe ao Governo, direi melhor, ao actual e aos futuros Governos, não se demitirem das suas responsabilidades sociais e políticas, não cederem aos interesses económicos do lucro e aos “amiguismos”, e porem mão à obra, criando e aplicando medidas que evitem a repetição do que aqui aconteceu. Em memória dos que partiram, das suas famílias e amigos, da nossa terra, do nosso concelho, dos nossos vizinhos. Diria mesmo mais, em nome de Portugal, que é quem sofre quando sofrem os seus filhos, estamos obrigados a fazer tudo para evitar que se repita esta catástrofe.”
Seguiram-se as intervenções de Celeste Dias, do CDS/PP, Fernando Manata, do PS e João Cardoso Araújo, do PSD, em nome das respectivas bancadas, que abordaram igualmente o tema do incêndio, da necessidade de uma ajuda solidária e equitativa para todos os afectados pela tragédia, e a necessidade de reconstrução urgente e da esperança num futuro melhor.
Falou de seguida Jorge Abreu, presidente da Câmara Municipal, que começou por agradecer a presença de José Luís Carneiro nas solenidades do Dia do Concelho, lamentando que este dia não seja um dia de festa.
Manifestou depois a confiança no compromisso assumido pelo governo de que será dada uma resposta célere às dificuldades e assumindo o seu compromisso de tudo fazer para que assim aconteça, mas também que para que nada volte a ser como dantes “este é o tempo de começar um novo ordenamento do território e de dos nossos espaços florestais”, reclamando que este momento de tragédia seja transformado numa oportunidade para resolver problemas que nunca tiveram solução. Finalizou com um abraço ao comandante Paulo Renato, a quem agradeceu a dedicação dos bombeiros no combate a esta “tempestade de fogo”.
O Secretário de Estado das Comunidades encerrou a sessão, com palavras de solidariedade no luto mas também de confiança, e disponibilidade do Governo trabalhar em conjunto com as autarquias para enfrentar o futuro. Falou de seguida da importância do municipalismo na formação do Estado, e no princípio da subsidiariedade, de que Figueiró dos Vinhos, como um dos municípios mais antigos do país, é um exemplo. Lembrou também a passagem de Malhoa por Figueiró dos Vinhos e da importância deste na corrente artística do naturalismo, e lembrou o diálogo no livro A Cidade e as Serras, de Eça de Queiroz, entre o urbano Jacinto e o rural José Fernandes, acerca da necessidade de compatibilizar o desenvolvimento urbano com o desenvolvimento rural.
António B. Carreira