Num dos mais belos dias deste ano, partimos com destino a Mega Fundeira em viatura todo o terreno desde a assentada do Monte da Areia, junto à Ilha Pequena, no Zêzere. Era assim conhecida porque, aquando da construção da Barragem do Cabril, as pessoas transportavam à cabeça (em caldeiros ou sacos) a areia e calhaus rolados dos Rios Zêzere e Unhais (também conhecido por Rio Pequeno) para esse local, de onde depois esses materiais e inertes eram transportados em carros de bois (ou carroças de tracção animal) até ao seu local de utilização final.
A esta Ilha Pequena contrapõe-se a Ilha Grande, mais conhecida por Ilha do Monte Trigo, significativa língua[1] de terra – já pertencente ao concelho da Pampilhosa da Serra – que, quando o enchimento da albufeira do Cabril atinge a sua cota máxima, se revela à vista como uma verdadeira ilha. O acesso ao seu ponto extremo, de onde é visível da Ilha Pequena, faz-se necessariamente pela via que liga a EN2 às povoações da Amoreira e Padrões, na margem direita do Zêzere.
A zona dessas Ilhas é um ponto estratégico, bem referenciado nos mapas, por ser o local onde o Rio Unhais desagua no Zêzere, fazendo-se aí administrativamente a separação do território em 3 distritos e 4 concelhos, a saber: distrito de Leiria, distrito de Coimbra e distrito de Castelo Branco, a que pertencem respectivamente os concelhos de Pedrógão Grande, Góis e Pampilhosa da Serra, e Sertã.
Avançámos na marginal do Rio Unhais, ao longo de uma estrada de terra batida construída há mais de vinte anos, e fomos registando o que encontrámos no caminho. Chegados ao fundo dos botaréus das hortas dos Pesos começámos a avistar casas que outrora foram locais de arrecadação dos habitantes locais e que cidadãos estrangeiros têm vindo a adquirir para a sua reconstrução, como casas de habitação ou para utilização no aprazível período de Verão. Nesse ponto do percurso deparámos com um pequeno obstáculo – de fácil resolução -, pois escorre em abundância água (que nasce nesses socalcos) para a estrada e devido ao trilho, provocado pelas viaturas que por aí circulam, a mesma corre por uma centena de metros ao longo dos sulcos no piso, de terra enlameada, dificultando a progressão das viaturas. O assunto ficaria resolvido facilmente com a colocação de um ou dois singelos aquedutos que possibilitassem a drenagem das águas da estrada.
Continuando a nossa viagem para norte (e montante), depois da foz da Ribeira de Mega, encontrámos um maciço rochoso constituído por grauvaque[2] e que, na altura da sua construção ao fundo da Louriceira, as máquinas venceram com dificuldade. Trata-se de um troço que continua problemático, num maciço que gerou uma subida que – nós também – só conseguimos vencer após várias tentativas. Para a solução do problema sugerimos que no local sejam colocadas manilhas e se proceda à rectificação do pavimento, por hoje em dia o mesmo se apresentar demasiado íngreme e com uma forte profusão de pedras, volumosas e soltas.
Vencido o obstáculo, avançámos e – quando quase atingíamos a EN2 – descobrimos no fundo do vale que nos ladeia um surpreendente, alvo e belo “palacete”, de características modernas e apreciável dimensão, quase colado à Ribeira de Mega. A surpresa não podia ser maior pois, quando olhámos com maior cuidado, vimos junto a ele um açude de betão, com comporta e adufa, possibilitando no Verão fechar esta e criar uma represa artificial de excelente qualidade; aparentemente capaz de rivalizar com sucesso com aquela que a Câmara Municipal implantou – com fins turísticos – algumas centenas de metros mais acima. Verificámos também que os acessos ao leito da ribeira estavam cerceados por um portão particular e que, a partir deste “palacete”, a estrada foi convenientemente alargada e asfaltada até à EN2 (Estrada Nacional).
Seguindo nós para visitar a Praia de Mega Fundeira, aí chegados encontrámos dois moradores a quem pedimos esclarecimentos e que, prontamente – aproveitando para desabafar -, nos indicaram ser esse “palacete” um empreendimento “abençoado”, pois era o retiro de um padre que raramente aí se via, por utilizar tal espaço fundamentalmente no Verão para passar as suas férias.
Dando por encerrado o nosso circuito pela via marginal aos cursos de água do Zêzere, Unhais e Mega (de que o primeiro dos subscritores desta nota de reportagem é o primeiro e grande responsável, como ex-Presidente da Câmara Municipal de Pedrógão Grande), o balanço que fazemos é de que valeu bem a aventura, pela beleza e encanto do itinerário ribeirinho. No final, feitas as contas, percorremos 16 Km no seu todo, a que devemos acrescentar mais 20 Km que – no sentido sul (a jusante) – já antes havíamos empreendido entre a Foz da Ribeira de Pera e o dique da Bouçã.
Já agora, reflectindo melhor, esta é uma iniciativa de há 20 anos atrás (que hoje em dia complementa a Grande Rota do Zêzere), em que apenas foram alcatroados cerca de 100 a 200 metros de estrada de terra batida, para servir um particular que, na maior parte do ano, não está presente nesse “retiro”. Um excelente motivo, afinal, de ponderação para todos aqueles que, trabalhando e residindo permanentemente no concelho de Pedrógão Grande, continuam a aguardar ad infinitum que lhe melhorem as condições de acessibilidade às suas residências. Uma sugestão, por exemplo, a favor dos cidadãos do Vale do Clero (nos Troviscais), Salgueirinhas (de Cima e de Baixo), Paisouso e Coelhal, que há largos anos esperam ser contemplados por quem se queira recandidatar em 2017 a novo mandato autárquico…
E, para terminar, aconselhamos ainda que, quem quiser percorrer essa via marginal (Mega Fundeira-Barragem do Cabril) e não possuir um veículo todo-o-terreno, inicie a sua viagem em Mega e não descure de levar consigo um utensílio cortante (machado ou motosserra), em virtude de no percurso poder encontrar árvores abatidas sobre a estrada, tal como nos aconteceu a nós. É que, a tal acontecer e a não estarem prevenidos, não há bênçãos, santos ou padres que lhes valham no derrube dos obstáculos neste desprezado concelho!…
Pedrógão Grande, em 13 de Maio de 2017
Mário Coelho Fernandes / Aires B. Henriques
[1] Parcela de terra formando uma península ou promontório.
[2] Grauvaque: – variedade de Xisto, com textura compacta, parecida com a do basalto.