Nós, os portugueses, enfrentamos hoje uma das maiores crises de que há memória. Ainda reféns da crise financeira de 2011 e ainda não decorrida uma década, eis que a COVID-19 veio acentuar as fragilidades de Portugal, nomeadamente ao nível dos territórios de baixa densidade populacional, vulgarmente designados por concelhos do interior.
Muitos e variados concelhos do interior sofrem dos mesmos problemas: despovoamento e envelhecimento das populações, bem como a escassez de postos de trabalho ao alcance dos mais novos que resistem em permanecer nos mesmos – já que a maioria deles tem, em comum, como maiores entidades empregadoras locais as autarquias, as Santas Casas da Misericórdia e as corporações de Bombeiros Voluntários. Indicadores mais que preocupantes dos desequilíbrios de desenvolvimento territorial que se acentuam cada vez mais com o decorrer do tempo.
A desertificação do interior é uma preocupação séria e antiga que, como cidadão, me ocupa a mente – desde a primeira visita que realizei ao mais recôndito concelho do distrito de Coimbra, Pampilhosa da Serra, na década de oitenta do século passado. Na altura, encantado com a obra da natureza aí patente e cujo slogan promocional local e atual diz tudo, “Pampilhosa da Serra inspira natureza”, verifiquei que as pessoas a residir aí permanentemente são poucas, para um tão grande concelho em área.
Também enquanto Presidente da República, o Dr. Jorge Sampaio trouxe o problema das assimetrias regionais de desenvolvimento para a discussão pública como uma das grandes questões nacionais, tendo promovido entre 11 e 15 de junho de 1997 (na Jornada da Interioridade) um conjunto integrado de iniciativas destinadas a chamar a atenção das dificuldades que se colocavam a muitas das regiões do país, em matéria de atração de investimento, de reconversão e diversificação do tecido produtivo, de criação de emprego capaz de fixar os mais jovens, de aproveitamento de recursos naturais e ambientais, de defesa e promoção do seu património arquitetónico.
Com N estudos realizados, N visitas de ministros, primeiros-ministros, secretários de estado, presidentes de coordenação da região centro, governadores civis e demais governantes, na Região do Pinhal Interior Norte (NUT II) nada de significativo se alterou, nomeadamente após os grandes incêndios de 2017; antes pelo contrário, a situação piorou: há mais desertificação e menos rendimento para as populações residentes, que tinham na floresta um “mealheiro”.
Os concelhos de Pampilhosa da Serra, Pedrogão Grande, Figueiró dos Vinhos, Castanheira de Pera e Góis (Pinhal Interior Norte), integram distintas comunidades intermunicipais, sendo que os concelhos de Pampilhosa da Serra e Góis pertencem à Comunidade Intermunicipal de Coimbra, enquanto Pedrogão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera integram a Comunidade Intermunicipal de Leiria. Com tantas e variadas divisões administrativas, as populações destes territórios estão cada vez mais separadas e abandonadas em termos de (condignos) transportes públicos para/de Coimbra e Lisboa. Menciono Coimbra em primeiro plano, porque é a esta cidade a que a maioria das pessoas acorre por questões de saúde; Lisboa, porque muitos mantêm laços familiares com residentes na capital, pois foi lá que, no seu tempo de vida ativa, viveram, uma vez que o interior já, então, oferecia poucas oportunidades de trabalho.)
É, pois, chegada a hora de os autarcas locais destes territórios se reunirem para delinear uma estratégia comum e reclamar, perante o Estado Central, uma política de transportes públicos para esta zona, que também é Portugal. De certeza que não vão ser necessários milhões, como anualmente são gastos com empresas públicas de transporte e bancos e com o que se vai gastar com a TAP.