Aires B. Henriques: O Centro Escolar Democrático União Coentralense – Parte 2

As Festas comemorativas do Centro Escolar

Pelo empenho que puseram no seu projecto associativo e pelo êxito alcançado, os sócios fundadores – a maioria residente em Lisboa – viram-se compensados do seu esforço pelas centenas de presenças de pessoas[1] que, vindas de longe, ocorreram ao Coentral para festejar a inauguração da escola feminina do seu Centro Escolar Democrático; acontecimento que então foi devidamente noticiado pela imprensa local. Assim, porque o formato de festa, o ambiente e a satisfação são normalmente idênticos, e repetem-se a cada dia 31 de Agosto, por anos a fio, não resistimos a transcrever para aqui a notícia da primeira dessas comemorações inaugurais, tal como consta d’O Ribeira de Pera[2]:

“A festa do primeiro aniversário da escola do sexo feminino do Coentral representa a sagração de uma obra que é, a todos os títulos, digna dos mais entusiásticos aplausos”.

“No meio de uma enorme concorrência de povo, manifestando todos  o seu máximo contentamento, tributando todos a sua mais íntima simpatia pela causa da educação e da instrução da mulher de amanhã, começou o cortejo cívico, partindo em direcção aos Coentrais do Fojo e Barreiras seriam umas 9 horas do dia 31 de Agosto, percorrendo todas as ruas das povoações (e) voltando de novo ao Centro Democrático seriam 10 horas e meia desse dia, trazendo lá incorporadas todas as almas da escola, acompanhadas pela sua digna professora, Srª D. Cesarina Henriques de Carvalho, e pela Filarmónica Castanheirense, ao som do hino nacional. Nesta altura foi oferecida uma lembrança à dita professora e a cada uma das alunas, constituída por objectos de uso doméstico, com as quais se mostraram cheias de alegria, prometendo guardá-las pelos tempos fora como recordação de um dia que nunca lhes esquecerá. Uns objectos de ordem material a atestar que as almas boas se não tinham esquecido de lhes ministrar o pão do espírito”. “A mesa da distribuição (desses) objectos era composta pelos cidadãos Srs. Joaquim Simões, presidente, e José Henrique da Conceição, secretário, e (como) vice-secretária a Srª D. Cesarina Henriques de Carvalho”.

“Usaram de seguida da palavra os Srs. Joaquim Diniz, Ventura das Neves e Álvaro Sebastião da Gama que, vibrando de entusiasmo, enalteceram a obra de instrução da mulher, em cujas mãos está a base do verdadeiro progresso da Pátria e da República. Só quando a mulher conheça devidamente as responsabilidades da sua nobilíssima missão de procriadora, poderemos ter cidadãos à altura de merecerem este já velho, mas gloriosíssimo Portugal. Instruamos a mulher, forneçamos-lhe tudo quanto seja necessário para que saiba ser boa filha, boa irmã, boa esposa e boa mãe e teremos resolvido um dos problemas de maior importância para o engrandecimento da Pátria. Todos os oradores foram muito aplaudidos com justificados motivos”.

“As festas foram suspensas ao meio-dia, para recomeçarem pelas 15 horas, comparecendo novamente a professora, alunas, Filarmónica Castanheirense e uma grande multidão de povo, ao som d’A Portuguesa, cantada pelas crianças e povo e acompanhada pela mencionada Filarmónica”. “Foi um belo dia de educação cívica em prol da propaganda da instrução da mulher. Bem haja a Direcção do Centro Escolar Democrático União Coentralense e oxalá que festa tão simpática e de tão úteis efeitos não esmoreça e antes se repita cada vez com mais brilho, se fôr possível. Todos devem ajudar, da melhor boa vontade, cada qual na medida das suas forças. Olhem que se trata da instrução”. “Levantaram-se vivas à República, à Pátria, ao Centro União Coentralense e às pessoas que mais têm concorrido para a sua fundação e funcionamento”.

“Às dezoito horas houve baile que se prolongou pela noite adiante e assim terminaram as festas do primeiro aniversário da fundação desta obra meritória, como não há mais nem tanto por estas redondezas além”. A terminar a notícia – invocando que “é uma escola fundada por homens que não são ricos, sustentada á custa deles, para ensinar a ler e escrever as filhas do Coentral” – não resistiu também o repórter em propor que que “Vivam os coentralenses, (e que) viva o seu benemérito Centro Escolar para ensino do sexo feminino!”.

 

 

A Festa da Árvore no Coentral

Fortemente influenciados pelo ideário republicano e maçónico, e oriundos de uma zona serrana em que a sua população – em desfavor dos trabalhos de campo e da pastorícia – ia gradualmente buscando trabalho nas fábricas de lanifícios da Ribeira de Pera, é natural que os sócios do CEDUC – após o início das suas actividades em Agosto de 1913 – tivessem aderido ao repto do jornal “Século Agrícola” (à data administrado pelo maçon José Joaquim da Silva Graça, natural de Pedrógão Grande) para a celebração no Coentral da “Festa da Árvore”.

E, assim, à semelhança do que nos Escalos do Meio (Pedrógão Grande) – nesse mesmo mês de Março de 1915 – se verifica, o Centro Escolar Democrático União Coentralense aceita participar nesse tipo de celebrações, como possível meio de sensibilização para a protecção das florestas nacionais, bem como dos ideais educativos, pedagógicos e cívicos que a República pretende consagrar.

A experiência virá a revelar-se profícua, porquanto permitiu uma maior aproximação entre os professores e alunos das escolas “oficial” (masculina) e do “Centro” (feminina) e, portanto, também uma relação mais harmoniosa entre os elementos de ambos os sexos, tendo sido apreciável a concorrência do povo que aderiu aos festejos nesse “dia da árvore”, da floresta e da natureza.

Pelo seu simbolismo e importância o semanário O Ribeira de Pera[3] fixou esse dia da Festa Nacional da Árvore nestes termos: “Pelas 7 horas – no Coentral Grande – foi içada a bandeira nacional no Centro Escolar Democrático União Coentralense (CEDUC) e na escola do sexo masculino. Subiram ao ar inúmeras girândolas de foguetes que, fazendo retumbar o seu eco nas quebradas da Serra (da Lousã), convidavam todos os cidadãos a assistir á festa que se anunciava”.

“Reunidos pelas 12 horas todos os alunos no edifício escolar dirigiram-se ao ‘Centro Democrático’ e aí plantaram uma videira, cantando as crianças ‘A Portuguesa’ e o ‘Hino da Árvore’. A simpática e digna professora D. Cesarina da Silva Carvalho fez uma breve prelecção, explicando ás suas alunas a cerimónia que acabavam de praticar”. “Formou-se um cortejo que, aos vivas à Instrução, etc., percorreu as ruas da povoação, dirigindo-se ao local da escola do sexo masculino onde se procedeu a uma cerimónia idêntica à anterior, plantando-se duas cerejeiras”.

“Em seguida passou-se a uma sessão na sala de aula. A convite do professor oficial, Sr. António dos Reis Matos Serrano, tomou a presidência a Srª D. Cesarina da Silva Carvalho, testemunhando-lhe o povo a sua simpatia, recebendo-a entre calorosos vivas e uma ruidosa salva de palmas”. “Usou primeiro da palavra o distinto professor que, falando com eloquência e muita clareza, recebeu os maiores aplausos da numerosa assistência que o admira e estima. Falou também o Sr. Joaquim Diniz, dedicado republicano e incansável trabalhador pelo progresso da nossa terra. Este senhor enalteceu as virtudes e méritos dos novos professores, terminando com três vivas: à Instrução, aos Professores e à União Coentralense”.

“Pouco depois procedeu-se à distribuição de um abundante lanche a 110 crianças de ambos os sexos”, o que em meios republicanos e maçónicos é encarado como um meio de chamada à participação, ao convívio e à partilha entre os cidadãos. “Abrilhantou esta festa a tradicional música do(s) “Zé Pereira(s)”.

 

 

O mote e o empenho político

Pensados como instrumentos de base e irradiação do trabalho político junto das populações, o primeiro dos centros eleitorais republicanos[4] conhecidos surgiu em Lisboa em 1876 como estrutura unitária de propaganda, tendo por fim “o desenvolvimento gradual e pacífico das ideias democráticas (…) e o estabelecimento da República em Portugal”. São inúmeros os que no país, sobretudo a partir do primeiro lustre do Séc. XX, vão sendo idealizados e criados com vista ao derrube da monarquia reinante.

A ideia do Centro Escolar Democrático União Coentralense, por sua vez, remontará a 1908 e não foge à regra, sublinhando-se como princípio básico da sua constituição – a par do propósito de dar um bom exemplo de acção republicana – a vontade de dotar o Coentral com uma nova escola primária, mas ora especificamente para meninas, bem como socorrer as crianças pobres com livros e a beneficência que se justificar.

Contudo, em termos estatutários, o primeiro dos fins enunciados com a constituição do Centro impõe-lhe “fazer (a) propaganda dos princípios democráticos”, pelo que se subentende que as questões de natureza política sempre estiveram muito presentes na vida e atenções, sobretudo, dos sócios fundadores residentes na capital (cidade) e quanto aos aspectos mais directamente relacionados com as populações do Coentral, Castanheira de Pera e dos Vales do Zêzere e Ribeira de Pera.

Entre esses acontecimentos, a integração das freguesias de Castanheira de S. Domingos e (de Nª Sª da Nazaré) do Coentral num novo concelho, política e administrativamente autónomo (Castanheira de Pera), terá constituído uma das maiores aspirações e batalhas que viram concretizadas e ganhas (a 17 de Junho de 1914). As suas diligências em Lisboa – junto do Congresso da República e dos seus prosélitos e parlamentares mais influentes (v.g., deputados Victorino Henriques Godinho, Fernando Bissaia Barreto e José Jacinto Nunes; e senadores Abílio Barreto e António Maria da Silva Barreto) – foram certamente uma das prioridades, em sintonia com os políticos e autarcas locais (v.g., Dr. Eduardo Correia, António Alexandre Alves Correia). Não se poderá ainda esquecer as possíveis ajudas do sócio-fundador Herculano Jorge Galhardo e dos conterrâneos Drs. Augusto das Neves Barreto (Director-Geral da Assistência) e Custódio Martins de Paiva.

Mas, para um maior aprofundamento da História política do concelho, sugerimos a leitura do nosso anterior estudo “A Maçonaria ao Vale de Castanheira de Pera”[5], onde se abordam os temas de “A luta pela autonomia concelhia” (a págs. 189 a 198) e “A resistência à afrontosa ditadura” do general Pimenta de Castro (a págs. 199 a 203).

Neste particular, quando ainda há pouco – a 22 de Setembro de 1914 – os primeiros órgãos administrativos autónomos de Castanheira de Pera haviam sido empossados, logo o país foi confrontado com o encerramento do Parlamento a 11 de Janeiro de 1915 e a subsequente imposição de um ditadura por parte do general Pimenta de Castro, de cujo governo – entre outros – fazia parte o então capitão Herculano Galhardo como Ministro das Finanças.

Perante isto, com uma Vereação predominantemente afecta ao Partido Democrático, a Câmara Municipal de Castanheira de Pera – reunida a 9 de Março de 1915 em sessão plenária – aprovou uma moção contra a ditadura de Pimenta de Castro, pela reposição das liberdades fundamentais e pela garantia do livro funcionamento das instituições democráticas.

Segundo essa moção, declara a Câmara que “a ditadura é inadmissível”, porque “só é lei o que é instituído pelo Parlamento e em harmonia com a Constituição da República”, e que é “seu inabalável propósito (…) realizar a sua missão (autárquica) dentro das leis legitimamente promulgadas, e que só estas acatará”.

Consonante com esta deliberação, logo a Direcção do CEDUC remeteu “ao cidadão presidente” da Autarquia um telegrama pelo qual “felicita a Câmara (…) pela forma (elevada) e digna como correspondeu à ditadura (do) governo, procedimento tanto mais digno quanto é certo que atravessamos neste momento um período de abastardamento moral e cívico”. Pela Direcção, assinou o secretário Manuel Henriques Miranda”[6]; o que, para além de uma clara prova de solidariedade do Centro para com o poder autárquico, em nada pôde evitar que a 24 de Abril fosse pelo governo nomeada uma Comissão Administrativa para a gerência dos negócios municipais de Castanheira de Pera, a qual se manteve até à eclosão da Revolução do 14 de Maio de 1915, em que foi preponderante a acção de elementos democráticos, carbonários e afectos à Maçonaria[7]

Refira-se ainda que neste período, perante a intransigência do general Pimenta de Castro em acatar a sua proposta de convocar o Congresso da República, o então capitão Herculano José Galhardo demitiu-se a 6 de Março de 1915 do cargo, que desde o dia 28 de Janeiro, ocupava como Ministro das Finanças. Para essa decisão terá contribuido também a sua qualidade de maçon e defensor das liberdades, a par da sua fidelidade à facção democrática do Dr. Afonso Costa.

Os trabalhos e preocupações cívicas da Direcção do CEDUC relativamente aos problemas do Coentral e Castanheira de Pera não se terão certamente esgotado por aqui, sobretudo quando a guerra rebenta na Europa a 28 de Julho de 1914 (e só termina a 11 de Novembro de 1918) e o país vai viver um período convulso de manifestações político-militares e graves restrições de natureza económica e financeira. Mas também aqui, esta parte da História de Castanheira de Pera pode ser vista nos textos que antes escrevemos sobre “O período sidonista e a guerra” (págs. 205 a 210), “O período das duas Câmaras” no concelho (págs. 211 a 223) e “O ambiente político após o 28 de Maio de 1926” (págs. 265 a 277), os quais fazem parte da nossa primeira obra “Maçons de Pedra e Cal – A Maçonaria ao Vale do Zêzere”.

 

[1] Segundo O Ribeira de Pera de Setembro de 1914, deslocaram-se nesse ano ao Coentral, entre outros, Alberto Lourenço Castela, Dr. Alberto Barreto, Adelino Barreto, Sebastião Coelho, Jesuíno Tomaz, Joaquim Ventura, Joaquim Francisco, Domingos Ventura, Maximino Ventura, Francisco Tomaz, etc.

[2] Jornal O Ribeira de Pera de Setembro de 1914.

[3] Jornal O Ribeira de Pera de 20/3/1915.

[4]  Ensaios de História da I República Portuguesa, de A.H. de Oliveira Marques, ed. Livros Horizonte 1988, a págs. 96

[5] Inserido in “Maçons de Pedra e Cal – A Maçonaria ao Vale do Zêzere”, a págs. 183 a 299.

[6] Jornal O Ribeira de Pera de 20/3/1915.

[7] Da Junta Revolucionária vitorio sa fizeram parte Leote do Rego (Marinha), Norton de Matos, Ernesto Sá Cardoso, Álvaro de Castro, António Maria da Silva e José de Freitas Ribeiro.

 

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