Aires B. Henriques: O Castelo do Vale da Armunha

Quem – a oriente – desce dos cumes da Serra da Lousã a caminho dos rios Unhais e Zêzere, sensivelmente a meio do curso da Ribeira de Mega, na sua margem direita, encontra uma pequena povoação rural com o nome de Castelo de Vale da Armunha, em zona de leito muito estreito e encostas acentuadamente agrestes. Só lá mais para jusante, na zona da vizinha aldeia de Mega Fundeira, as terras desse vale se espraiam um pouco mais, melhor favorecendo as ancestrais práticas agrícolas e a rega das suas parcelas polivalentes, de apoio a uma agricultura familiar de subsistência, hoje em dia de todo abandonada.

Se é verdade que “Vale da Armunha” sugere tempos muitos antigos, provavelmente da primeira fase da ocupação árabe na Península Ibérica, é também um facto que a sua localização é fronteira à linha demarcada com Alvares (Góis), tal como ficou definida no contrato de doação que a 17 de Maio de 1135 D. Afonso Henriques firmou com três dos seus fiéis companheiros – Huzberto, Monioni Martiniz e Fernando Martiniz -, para quem transferiu a posse e gestão dos domínios da então denominada Herdade de Pedrógão .

De facto, em termos etimológicos, o topónimo “Armunha” deriva do árabe “Al Munia” que, “originalmente, designaba a un huerto o a una granja y por extensión a una finca campestre. Eran centros lúdicos pero también núcleos de producción agrícola de extensión considerable en manos de linajes aristocráticos . Esse é o entendimento comum aos etimologistas portugueses e espanhóis que, inclusive, mencionam em Espanha um lugar denominado “Almuña” aquando dos relatos sobre “la campaña de Almanzor de octubre de 980” . Em portugués, também, “Al Munia” (ou “almunia”) deu lugar à palavra “Almuínha” – que os dicionários fixam – com o sentido de “horta cercada” ou “pequena propriedade suburbana” ; sendo “almuinheiro” o equivalente a  “hortelão”, “o que trata das almuínhas”.

Uma explicação alternativa para o topónimo “Vale da Armunha” pode encontrar-se, porventura, na ascendência espanhola de um qualquer cavaleiro que, tendo acompanhado os Condes D. Raimundo ou D. Henrique com vista ao esforço de reconquista da Península, ali se tenha fixado mais tarde em resposta às necesidades de defesa e povoamento do territorio. Trata-se de hipótese a não excluir porquanto em Castilla y León, nas províncias de Segovia e Salamanca, ainda hoje subsiste o topónimo “Armuña” ; sendo para mais conhecido que assim aconteceu em Góis, onde um cavaleiro vasco – Anaia Vestraris – se fixou e se afirmou como incontestado Senhor feudal desses domínios, pois eram tempos em que os reis ofereciam terras, a par de outros benefícios, a quem aqui viesse fixar-se e garantisse o abastecimento do reino em alimentos e outros produtos.

Por sua vez o topónimo “Castelo”, que terá subsistido ao longo dos séculos, recordará porventura que nessa zona ribeirinha terá sido erguida, como meio preventivo contra qualquer penetração inimiga (moura), uma atalaia de vigilância e controlo dessa importante linha de água (a Ribeira de Mega) e fronteira natural com os territórios da “Herdade de Alvares”, pertença dos frades crúzios . Não é caso único no país, bastando recordar que na margem esquerda do Zêzere, logo ali defronte dos domínios de Pedrógão Grande, porventura em conexão com a “Torre do Penedo” e o “Castelo Velho” (Monte da Sª dos Milagres), existe uma outra povoação com a mesma denominação de “Castelo” que, segundo o autor de “A Sertã e o seu Concelho” , “deriva de algum castelo, posto de observação ou torre de atalaia construídas pelas Ordens Militares do Templo ou do Hospital” pois, “para avisar da aproximação do inimigo era (então) costume colocarem-se nos sítios elevados torres donde se lançavam bandos (de pombos) ou se faziam sinais que consistiam em fumo durante o dia e fogo de noite, chamando o povo castelos a estes torreões rudimentares”.

No entanto, com a diminuição da importância bélica que a região da Serra da Lousã vai perdendo a partir de 1147, após a conquista de Santarém e o avanço dos nossos primeiros reis para Além-do-Tejo, também a região dos vales de Mega e Unhais vai esmorecendo no seu constante alerta e papel de estreito elo de ligação com os pontos de vigia que, passando pelos cume, se estendem ao castelo de Arouce, já do lado ocidental da Serra da Lousã, em fácil contacto com Coimbra, a então capital do reino (ou Condado Portucalense).

Nestas circunstâncias, e passados que são mais de 880 anos sobre o “nascimento” de Pedrógão Grande, natural é que essa primitiva atalaia se tenha desmoronado e as pedras das suas ruínas, se não foram arrastadas pelas cheias da ribeira, tenham sido gradualmente aplicadas nos grossos muros de suporte aos botaréus e modestas casa da aldeia. Ou seja, e em resumo, do outrora possível Castelo do Vale da Armunha hoje nada resta para contar a sua história, que é – afinal – a da formação da actual aldeia e dos seus espaços, logradouros e terras de cultura.

À semelhança de todo o território ao longo do vale da Ribeira de Mega, a actividade tradicional de outrora assentava na agricultura de minifúndio, para consumo e sobrevivência familiar, a qual era desenvolvida em simultâneo com o apascento de rebanhos de pequenos ruminantes, sobretudo de caprinos. Mas mesmo esses hoje já rareiam por essas bandas, dispondo a aldeia de já pouco para nos mostrar, à excepção das ruínas de um velho moinho de rodísio, e das duas mós que o compõem que, desconjuntadas entre as suas quatro paredes de pedra, aguarda uma das próximas grandes cheias para delas se ver despojado.

Para além disso, num dos taludes da margem da Ribeira de Mega, resta um engenho metálico que servia para vencer o desnível que separava a “levada” de água do “botaréu” contíguo (em plano superior, nas encostas da ribeira), onde se cultivava o milho e a batata, sendo que nunca faltavam os “mimos” (as couves, as favas, as ervilhas, os feijões, etc.) para o abastecimento diário dos seus moradores.

Apesar do abandono a que a aldeia está votada, à semelhança de tantas outras na região, o trecho da ribeira que banha o Castelo do Vale da Armunha – e onde sobressai o Açude das Cabras – merece uma demorada visita, pela sua extraordinária beleza e paz que o local proporciona, onde “o cantar das aves e o som das cascatas nos acompanham do início ao fim do percurso” (PR9 PGR-GOI) mais recomendado.

 

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