Aqui fica a sugestão da Biblioteca Escolar de Figueiró dos Vinhos
Álvaro de Campos
“ (…) pus em Álvaro de Campos toda a emoção que não dou nem a mim nem à vida.”
“Se eu fosse mulher – na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas – cada poema de Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem – e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia…”
“E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo individuo. Num jacto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode Triunfal de Álvaro de Campos – a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.”
“Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria.
Quando foi da publicação de Orpheu, foi preciso, à última hora, arranjar qualquer coisa para completar o número de páginas. Sugeri então ao Sá-Carneiro que eu fizesse um poema «antigo» do Álvaro de Campos – um poema de como o Álvaro de Campos seria antes de ter conhecido Caeiro e ter caído sob a sua influência. E assim fiz o Opiário, em que tentei dar todas as tendências latentes do Álvaro de Campos, conforme haviam de ser depois reveladas, mas sem haver ainda qualquer traço de contacto com o seu mestre Caeiro. Foi, dos poemas que tenho escrito, o que me deu mais que fazer, pelo duplo poder de despersonalização que tive de desenvolver. Mas, enfim, creio que não saiu mau, e que dá o Álvaro em botão…”
“E, é verdade, um complemento verdadeiro e histérico: ao escrever certos passos das Notas para recordação do meu Mestre Caeiro, do Álvaro de Campos, tenho chorado lágrimas verdadeiras. É para que saiba com quem está lidando, meu caro Casais Monteiro!”
“Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (às 1.30 da tarde, diz-me o Ferreira Gomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade.”
“Álvaro de Campos é alto (1,75 m de altura, mais dois cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada (…) ”
“ (…) entre o branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo.”
“Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem a Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre.
“A prosa, salvo o que o raciocínio dá de ténue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos como dizer «eu próprio» em vez de «eu mesmo», etc. O difícil para mim é escrever a prosa de Reis – ainda inédita – ou de Campos. A simulação é mais fácil, até porque é mais espontânea em verso.) ”
Retirado de “Carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro sobre a Gênese dos Heterônimos”
No poema “Opiário”, Álvaro de Campos descreve-se assim:
“ Eu, que fui sempre um mau estudante, agora
Não faço mais que ver o navio ir
Pelo canal de Suez a conduzir
A minha vida, canfora na aurora.
[…]E fui criança como toda a gente.
Nasci numa provincia portuguêsa
E tenho conhecido gente inglêsa
Que diz que eu sei inglês perfeitamente.
[…]Eu fingi que estudei engenharia.
Vivi na Escóssia. Visitei a Irlanda.
Meu coração é uma avòzinha que anda
Pedindo esmólas ás portas da Alegria.
[…]Volto á Europa descontente, e em sortes
De vir a ser um poeta sonambólico.
Eu sou monárquico mas não católico
E gostava de ser as coisas fortes.
[…]
Pertenço a um genero de portuguêses
Que depois de estar a India descoberta
Ficaram sem trabalho. A morte é certa.
Tenho pensado nisto muitas vezes.
[…]Caio no ópio por força. Lá querer
Que eu leve a limpo uma vida destas
Não se pode exigir. Almas honestas
Com horas pra dormir e pra comer,
[…]Um inutil. Mas é tão justo sê-lo!
Pudesse a gente despresar os outros
E, ainda que co’os cotovêlos rôtos,
Ser herói, doido, amaldiçoado ou bélo!
[…]E afinal o que quero é fé, é calma,
E não ter estas sensações confusas.
Deus que acabe com isto! Abra as eclusas –
E basta de comédias na minh’alma!”
ORPHEU – Revista Trimestral de Literatura, n.º 1 – Janeiro/Fevereiro/Março de 1915, pp. 71-76
Elaborado pela aluna Maria de Fátima Martins, do 12º B, da Escola Secundária de Figueiró dos Vinhos e “Autor do Mês” da biblioteca escolar